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Mensagens

A mostrar mensagens de abril, 2017

Susana Santos - desafio 19

Comecei a minha vida sendo um gigantesco livro de colorir. Gina, a educadora de infância, ofereceu-me à sua filha e, carinhosamente, na sua companhia, coloriu com dezenas de marcadores os meus desenhos. Através da pintura, mãe e filha evidenciavam afecto mútuo. Posteriormente, Gina levou-me para a creche, recortando as minhas páginas para construir chapéus para uma festa divertida! Quando a festa terminar os chapéus irão para o lixo. Após a reciclagem, qual será o meu novo destino? Susana Sofia Miranda Santos , 38 anos, Porto Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

David Prudêncio Espírito Santo - desafio 19

A t-shirt Eu era uma t-shirt bem tratada, lavada sempre que usada, era como se fosse a número um das t-shirts que havia no roupeiro, levava-me sempre vestida, no inverno levava-me debaixo da swet, da camisola de gorro e do casaco, na primavera em cima da swet e no outono debaixo da camisola de gorro. Houve um dia em que eu deixei de servir e atiraram-me pela janela. Passei dias a voar até que parei à porta de um mecânico, e agora usam-me como pano. David Prudêncio Espírito Santo , 11 anos, Torres Vedras Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Quita Miguel - desafio 19

Quadro roubado Eva sempre adorou feiras de rua. Todos os sábados percorre locais onde se reúnem pessoas que procuram desfazer-se de coisas para as quais alguém talvez ainda encontre utilidade. O melhor negócio que Eva fez e que, por um tempo, a deixou verdadeiramente orgulhosa, foi a aquisição de dois quadros com molduras de talha dourada. Mas a alegria duraria pouco já que a polícia bateu-lhe à porta, reclamando as obras de arte roubadas e exigindo a sua devolução. Quita Miguel , 57 anos, Cascais Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Amélia Meireles - desafio 19

Com vinho branco ou tinto, conseguia sentir o prazer que os lábios exalavam quando mergulhados no líquido que unia as risadas à volta da mesa. Naquele dia, algo correu mal e, sem dar conta, sentiu-se rasgado. A sua dor acompanhou o desalento das mãos que o envolviam. Terminara o seu destino como copo. Agora, no parapeito da janela da cozinha, acolhia a avenca. Sentia saudades do que fora, porém, percebia que, enquanto vaso, continuava a ser útil. Amélia Meireles ,   64 anos, Ponta Delgada Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Maria Azenha - desafio 19

Era uma bota de borracha que nascera com um grave defeito: tinha um buraco na biqueira. Ninguém a achava útil e por isso estava abandonada num canto da fábrica onde nascera. Até que um dia tudo mudou. Um rato começou a armazenar nela os seus queijos preferidos. Atraídos pelo cheiro, outros ratos passaram a frequentar aquela bota. Passado algum tempo, a bota tornou-se o restaurante mais conhecido de todos os roedores da zona. Passou a chamar-se "Pé-de-Queijo". Maria Azenha , 9 anos, Sintra Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Domingos Correia - desafio 19

A bola de ping-pong Era uma bola de ping-pong que, de tanto saltar, ficou velhinha, e agora só fazia gnip-gnop… Foi encostada, esquecida... Um dia, Ritinha achou-a nas tralhas dum velho sótão. Transformou-a em cabeça duma linda boneca de trapos… Ritinha cresceu e a boneca ficou guardada no baú dos brinquedos esquecidos… Anos mais tarde, na era das reciclagens, foi achada novamente e atirada ao plasticão… Acabou por ser fio de tecelagem da camisola de Ma Long, famoso campeão de… ping-pong. Domingos Correia , 59 anos, Amarante Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Paula Tomé - desafio 19

Entre o antes e o agora, ainda sou... Sou amarela, grande. Tenho asa. "Chávena Almoçadeira"... nunca percebi... Almoços? Não…  Lembro, sim, o quentinho dos chás dentro de mim, a firmeza dos dedos e entrelaçar das mãos, a delicadeza dos lábios... Mas fui "lascando" cá dentro... deixaram-me de lado, esquecida, abandonada... Até que, voltou a pegar em mim, viu-me com outro olhar... Agora sou vaso, com violetas dentro! Lembro-me novamente do aroma dos chás...  um até tinha pétalas de violeta... nova vida... mas ainda sou eu... Paula Tomé , 45 anos, Sintra Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Alda Gonçalves - desafio 19

Reutilizar livros Lá em casa, já não havia espaço para mais livros. Estantes a abarrotar, nas mesas, nos quartos, no sofá. Por todo o lado, só livros. Livros de história, de histórias infantis, poesia, ensaios, romances. O avô sempre que os visitava, dizia: ― há livrarias com menos livros. A avó exclamava: ― credo! Nesta casa não se vê mais nada... Até que um dia a mãe resolveu reutilizar os livros, fazer um armário para livros, com livros. Adoramos. Ficou giríssimo! Alda Gonçalves , 49 anos, Porto Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Ana Paula Oliveira - desafio 19

Nasci flor. Vermelho em todo o seu esplendor. Discreta e sem vaidade, de suave odor mas com muita cor. Cor do amor. Enchia campos, enchia jarras de cristal. Um tempo houve em que enchi espingardas. Calei-as, não cuspiram balas, nem deram coronhadas! Então, o meu destino mudou. Agora, passeio-me nas lapelas, sou agitada como estandarte ao vento. Nasci cravo mas não sou mais flor, já não vou murchar. Hoje, sou a liberdade, estou aqui para firmemente ficar. Ana Paula Oliveira , 56 anos, S. João da Madeira Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Regina Gouveia - desafio 19

― Adereço bonito! ― Fi-lo, usando uma ágata e um botão da minha avó, herdado por uma filha que o guardou junto de outros. Poderiam dar jeito... Nunca o reutilizou. ― Lindo! ― comentei. A tia ofereceu-mo. Eis a história. A história dela! Não conta que éramos três, num casaco da avó. Perdeu-se um. A filha herdou dois, um sumiu-se. Restei eu que ela “recuperou”. Preso à ágata, tenho saudades da liberdade de poder entrar e sair livremente da minha casa. Regina Gouveia , 71 anos, Porto Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Maria do Céu Ferreira - desafio 19

A sina da boneca Nasceu boneca vistosa, Elegante e enfeitada, Perfumada como rosa, Sendo muito estimada. Foi-me dada com ternura E com ternura a tratava, Não prevendo a tortura, Duma maldosa criada. Um dia fui à caminha… Fiquei branca, alarmada… Essa linda bonequinha Estava toda mutilada! Ouvi risos e eu chorava… Coitada da bonequinha! Sem cabelo e mutilada, Por ser amada e minha?!... Não devia ter tal sina, Uma boneca tão bela… Eu era ainda menina E chorei… chorei por ela!... Maria do Céu Ferreira , 61 anos, Amarante Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Carla Silva - desafio 19

A caneta A escuridão invadiu-a novamente. ― Amanhã, será amanhã. Assim alimentava a esperança de ser útil novamente. Desde que a velha senhora adoeceu que foi atirada para ali, como uma caneta vulgar. Mas ela sabia que não era! Sentia a tinta dentro dela, fresca, fluída, sem verter uma gota. Pronta a escrever as cartas ao amor da velha senhora que nunca regressara. Quando recordava esses dias, e apenas aí, permitia-se verter uma pequena gota da sua preciosa tinta permanente.  Carla Silva , 43 anos, Barbacena, Elvas Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Celina Silva Pereira - desafio 19

A banqueta Eu acompanhava um órgão e devia servir para que minha dona se assentasse e tocasse harmonias. As partituras ficavam guardadas dentro de mim. Quando mudamos para uma casa menor, ela precisou contentar-se com o teclado portátil e doou meu velho companheiro. Tornei-me suporte para a televisão;  assisti a programas de variados estilos. Finalmente aqui estou como floreira. Vejo o cuidado para que luz, ar e água sejam convenientes sobre as plantas que apoio.  Numa delas nascem violetas brancas. Celina Silva Pereira , 66 anos, Brasília, Brasil. Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Elisabeth Oliveira Janeiro - desafio 19

A Arca do André Corria um ano da graça do século vinte, numa vila do Porto, berço do Infante, o Navegador... No quarto de solteira da irmã do nosso herói, havia uma mala misteriosa, que ia guardando o bragal, bordado por hábeis mãos. Envernizada, era linda e sabia-o. Anos volvidos, impiedosamente, sótão com ela. Tristinha, renasceu quando André afanosamente a repescou. Passou a ser a orgulhosa depositária das alfaias do André para as suas engenhocas. E que belas surpresas dali saíram! Elisabeth Oliveira Janeiro , 72 anos, Lisboa Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Chica - desafio 19

Os velhos cucos Reentrou na casa dos pais. Fechada.   Mãe na clínica, pai morto.   Reviu coleção CUCOS, todos tamanhos, falando diferentes línguas.   Ainda lá! Relembrou, o sinal das 22 cantadas. Hora de ir para o namorado! Pai severo apontava o horário! Agora, tristes, sozinhos presos na casa e paredes.   Sentiriam saudades de quando coravam ao sair da portinha e ver os beijos e amassos do casalzinho apaixonado? Na certa, foram mais felizes os CUQUINHOs, enquanto podiam vida por ali ver... Chica, 67 anos Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Theo De Bakkere - desafio 19

Um maço de poemas Queria ressurgir como um maço de poemas, escrito na língua materna de Camões de qual sou amante. Além, nas terras lusófonas, encontrarei sempre um leitor ou um ouvido dócil que tal prosa saiba apreciar. Pois esses poetas são os heróis, pertencendo ao orgulho nacional. Poemas deslumbrantes que muitos sabem de cor ou foram imortalizados pelos fadistas. Eh! Alguém abrira uma das minhas páginas e declamava entusiasta: "Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal." Theo de Bakkere , 64 anos, Antuérpia, Bélgica Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Natalina Marques - desafio 19

O teu dono nunca repôs a letra que perdeste. Foste posta de parte, esquecida num canto, porque agora há um novo teclado. Mas nunca vou esquecer as cartas de amor que em ti escrevi. Cartas que li, e reli, para que no coração ficasse gravada a mensagem de uma jovem apaixonada. Hoje, olho para ti, lembro com saudade os segredos que te revelava e as tuas teclas escreviam, mas não as enviava, com medo que fossem pirosas. Natalina Marques , 58 anos, Palmela Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Isabel Lopo - desafio 19

O velho copo de cristal recordava-se de fazer parte do melhor serviço da casa. Agora, por ser o único que sobrara, vivia numa vitrine, mesmo baço e lascado. Um dia usaram-no para jarra. Cheio de flores, enfeitava uma mesa. Não gostava nada, numa sala de segunda, vestido de maricas, gozado pelos colegas... Uma noite, o patrãozinho levou-o para o quarto e fez dele um aquário. Com peixinhos encarnados, sentia-se ridículo... Então, deixou-se escorregar, partindo-se em mil bocados. Isabel Lopo , 71 anos, Lisboa Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Margarida Fonseca Santos - desafio 19

Estou tramado com isto. É uma despromoção e tanto! Quando era importante, fechava uma embalagem de preciosos conteúdos informáticos (dizem, que a mim nunca me deram informação nenhuma) e era torcido e torcido para que nenhum escapasse. Se calhar era isso, têm informações de fuga, ou fuga de informações, sei lá. Agora estou a prender a pega da mala com rodinhas. Um nojo… Espera aí? Vamos viajar? Vamos mesmo? Ai, se os miúdos, quer dizer, conteúdos soubessem. Margarida Fonseca Santos , 56 anos, Lisboa Escritiva nº 19   - vidas passadas de objetos

Desafio nº 19 - Vidas passadas de objetos

Eu confesso que gosto de reutilizar tudo e mais alguma coisa, que fico feliz quando possso dar uma segunda vida ao que quer que seja e adoro, adoro, adoro, comprar coisas em segunda-mão. Ora, isto faz com que eu imagine muitas vezes como foi a vida anterior de um determinado objeto, como era o seu dono, se foi bem ou maltratado, esse tipo de coisas inúteis para o progresso do Mundo, mas que a mim me deixam bastante mais tranquila. Ora é exactamente isso que proponho desta vez: imaginem como foi a vida de um determinado objeto, por que atribulações passou, que sacrifícios teve que fazer. Eu deixo-vos aqui um dos muitos exemplos que vos podia dar, já que me dedico a imaginar vidas passadas em objetos do quotidiano. Tinha nascido para ser lata, coisa herdada de família a que não se atreveu a dizer que não chegado o momento de acolher, mesmo contrariada, aquelas sardinhas. Se ainda fossem umas lulas recheadas, um bacalhau com grão, mas sardinhas... O que não imaginava é que acaba